AVISO: Não recomendada para menores de 14 anos.
Capítulo Único
Era uma noite gélida, sem estrelas no céu e com nuvens carregadas, que avisava que em breve lágrimas despencariam desenfreadas sobre a cidade; uma tempestade que representava a tristeza do universo que perderá mais uma parte de si. Um adolescente inocente. Um sádico psicopata. Uma morte. Outra vida havia sido roubada naquele instante, e apenas o assassino e o universo presenciaram os olhos vivazes se tornarem ocos e inexpressivos. Motivos não faltavam para o cosmo chorar sua melancolia. O homicida olhou para o alto, franzindo o cenho ao ver o temporal que se formava. Não estava esperando, porém, sentiu-se aliviado. A água lavaria as provas que o incriminava, deixando para os policiais apenas um cadáver qualquer. Com um sorriso vil e olhar febril, ele levantou e soltou a pedra manchada com o líquido vital do ser humano no chão. Aquela era a arma do crime. Ficou parado por minutos, admirando a tela desenhada na sua frente, a pintura gore que ele fizera com suas próprias mãos. Esse era o talento dele. Sobre o barro marrom, cercado pelos matos altos, o adolescente encontrava-se desprovido de seu decoro. Seu corpo, puro até meia-hora atrás, jazia sem roupas — estas que se tornaram trapos rasgados —, com grandes manchas roxas gravadas como tatuagem na pele pálida. E pensar que ele nunca quis se tatuar, gostava do seu corpo sem manchas. Os olhos abertos, que outrora expressavam os mais variados sentimentos, passaram a ser apenas a anatomia de um defunto. Ninguém diria que aqueles eram os mesmos orbes do garoto tão enérgico e alegre, que adorava mandar piscadelas brincalhonas para os amigos. Sua inocência, que guardava para alguém muito especial, fora brutalmente arrancada pelo seu assassino. O sangue escorrendo entre suas pernas era, talvez, ainda mais deprimente que aquele que escorria da sua cabeça como uma chuva fraca, deslizando pela terra e regando a relva. Tolo garoto. Deixou-se ser enganado pelos sorrisos falsos e índole fingida do malfeitor. O pobre adolescente, de dezessete anos, baixou a guarda e pagou um preço desproporcional, se tornando nada mais que um cadáver, que no outro dia estamparia os jornais mais famosos do país, por ter tido uma morte brutal. Rafael não imaginara que ao ter aceitado a carona do conhecido, na volta da escola para casa, colocaria fim a sua breve existência, que perderia a dignidade para um algoz que nunca seria preso. A morte dele nunca teria resposta. O assassino sairia impune. O homicida, após longos minutos apreciando sua obra prima, finalmente, virou-se, dando de costa ao morto e andando para fora do matagal, distanciando da cena do crime. Satisfação o preencheu, fazendo-o cantarolar na mente, já que não podia atrair atenção. Não olhou para trás, não se importando com o rapaz sem vida, que seria encontrado naquele estado deplorável pelos policiais dias depois. Ele não dava a mínima para o fato que os pais — que aguardavam o retorno da cria — fariam o reconhecimento do filho, bem mais precioso, em um necrotério. Gotas de água começaram a pingar desoladas, banhando o corpo do amável Rafael. Abandonado solitário no matagal, a mãe terra o abraçou e recebeu-o com tristeza, bebendo seu sangue. A força da chuva aumentou, virando uma forte tempestade, expressando a fúria incontida do cosmo, a desolação daquele que seria o único a saber quem era o assassino. O miserável cadáver passaria a noite sendo acalentado pela terra e banhado pela tristeza do universo, enquanto seus pais ficariam acordados, preocupados com o filho que não retornou, e o homicida dormiria, confortavelmente, tendo doces sonhos com sua vítima. Mas o universo não chorava apenas por aquela vida… O adolescente era somente mais um entre as várias vidas usurpadas naquela mesma noite, naquela mesma hora.
Vidas humanas que se tornaram cadáveres pelas mãos de outros seres humanos.
No Brasil somente 6% dos homicídios são solucionados, os outros 94% ficam sem resposta.
Quantas vidas estão sendo tiradas neste exato instante, já parou para pensar nisso? Muitas dessas mortes nunca terão respostas, os familiares nunca saberão quem é o assassino. E pensar que são humanos matando outros a troco de nada, por razão nenhuma, sem ter qualquer justificativa razoável. Quando deixamos de sermos humanos? As vezes parecemos mais animais irracionais.
Esse mini conto veio quando eu estava lavando a louça e pensando coisas aleatórias, ouvindo música, não perdi a oportunidade de passá-lo para o papel.
Fonte da citação: Super Abril.